sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Primeiro Vôo










Nunca vou esquecer a sensação quando entrei em um avião pela primeira vez, apenas uma palavra me passava pela cabeça: merda!!! Em uma fração de segundo todas as estatísticas do transporte mais seguro do mundo, todas as leis da física cuidadosamente estudadas se foram, assim que adentrei na aeronave a “idéia” de avião foi substituída pela inexorável presença de um ônibus alado cujo o interior colocaram cadeiras demais.
Por um momento todos os acidentes de avião se tornaram totalmente plausíveis, eram até óbvios. Eu não estava abordo daqueles imponentes senhores do céu que eu via em terra, deixando um rastro branco na abóbada safira, naquele momento a idéia de Ícaro de pegar um punhado de cera e colar meia dúzia de penas me parecia muito mais racional que a maldita idéia de alar uma lata de sardinhas e enfiar 300 almas bem alimentadas de amendoins e suco com soja.
Detesto admitir, mas um suor frio percorria meu corpo e uma voz na minha cabeça bradava com toda força “corre, sai daí agora!”. Dirigi-me até meu lugar, maldito corredor, longe demais da janela... Se se vai morrer, pelo menos gostaria de ter uma boa vista de tudo.
Quando a porta se fechou e o avião se moveu para trás foram os momentos mais tensos que consigo me lembrar, o coração batia aceleradíssimo, as mãos suando um desespero inominável nublando todos os meus pensamentos enquanto aquela baleia branca de metal dava uma ré que parecia mais lenta e mais capenga que qualquer fusca 66.
Após taxiar na pista a nave parou, inerte sob o poente ela respirava fundo, exalando monóxido de seus poderosos pulmões de aço, e dentro dela estava eu, que a essa altura já pensava nas mulheres que não tive, nos socos que não dei. E ponderava quanto tempo de cadeia eu pegaria se gritasse que estava com uma bomba. As aeromoças ensinavam a atar o sinto e que deveríamos sair pelas saídas de emergência e que nosso acento flutuava, claro, se você desce no oceano em uma bola de fogo a 500km/h, pelos 0,000003 segundos que você permanece vivo deve ser reconfortante saber que seu acento flutua. Logo após isso, pela primeira vez ele falou, o piloto, desejou uma boa tarde e disse que a torre havia dado permissão para decolar, imaginei nele um grande sorriso suicida de orelha a orelha enquanto proferia aquelas palavras.
Então algo fantástico aconteceu, o avião se moveu com uma velocidade incrível, a inércia me jogou contra o acento e me prendeu lá. Então um sorriso de criança possuiu meus lábios. As rodas deixaram o chão rapidamente, a sensação era maravilhosa, nunca havia experimentado nada parecido com aquilo, meu sorriso só crescia e meu coração batia ainda mais rápido, porém agora com uma felicidade e prazer sem par. Virei-me sem pudor algum na direção da janela ostentando o sorriso mais bobo que um ser humano pode produzir e admirava o espetáculo do chão ficando cada vez mais distante. Quanto mais o avião se elevava mais feliz eu ficava, voltei à infância. Nu e despreparado vivendo algo inteiramente novo, toda minha ciência e filosofia ficaram para trás, física, química aerodinâmica e toda a racionalidade naquele momento parecia uma tolice, eu não era um homem encarando um fenômeno explicável de mil maneiras, eu era uma criança alada que por pura mágica decidiu brincar nas nuvens.
A sensação de me elevar era extraordinária, enquanto admirava cada segundo pela pequena e oval abertura de vidro, percebo uma fina fumaça branca aparecer pela janela, no inicio muito tímida e escassa, mas logo tomou conta de tudo e só havia uma fantástica cegueira branca. Sim... Eu estava dentro de uma nuvem, não pude deixar de viajar no tempo, a bons anos quando eu olhava o céu e imaginava formas e histórias fantásticas nas nuvens. Agora estava eu aqui em meio a elas voando numa velocidade descomunal por entre elas, um poderoso deus das tempestades acariciando seu rebanho.
Ao subir mais, deixei minhas singelas amigas brancas e vislumbrei a visão mais onírica que já tive, acima das nuvens observei o poente jogando seus raios sobre as nuvens, um glorioso tapete de ouro tomou tudo que meus olhos conseguiam ver, e no final da tapeçaria celeste Hélios, velho e poderoso, resplandecia com toda sua glória.
A mulher sentada na janela não deve ter gostado muito de ser banhada pela fulgura do velho astro, fechou implacavelmente a janela. Ajeitei-me na poltrona, recostei minha cabeça e fechei meus olhos, ainda ostentando meu singelo sorriso infantil.  Neste momento o avião começava a chacoalhar, talvez alguns achem que foi turbulência... Entre o barulho das potentes turbinas eu conseguia ouvir as imponentes vozes de todos os deuses do vento, se enroscavam na carcaça de metal, dançava, gargalhavam e bradavam “vejam irmãos, um pássaro deu seu primeiro vôo!”.